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Podemos acreditar convictamente (e acreditamos) que a mudança, grande ou pequena, é possível para todos... Mas devemos reconhecer - e, mais difícil, devemos aceitar - que ela, a mudança, só chega no dia e na hora em que tiver de chegar.

Mudar o comportamento: Porque é tão difícil?

- “Nunca mais...”
- “A partir desta semana não duvides que...”
- “Quando terminar este projecto...”
- “Eu sei que já prometi várias vezes, mas agora é que...”,
- “Quando tiver mais tempo, lá para o Verão, eu finalmente...”
- “Experimenta deixares de me pressionar, e verás que imediatamente eu...”

Em todos os exemplos, a frase poderia terminar com “... eu vou mudar!”
Mudar um comportamento ou rotina habitual. Que se instalou mas não agrada e que por isso urge desalojar do seu conforto. Na verdade, mudar para diferente é uma meta de muitos de nós, dezenas de vezes por ano, várias ocasiões no mês. Até vários dias numa mesma semana, como por exemplo: “Sim, já sei..., e prometo que vou passar a colocar a roupa suja no cesto em vez de a deixar no chão da casa de banho!”. Isto é, “prometo que vou mudar!” Infelizmente, mais vezes que o desejado, a “preguiça” fala mais alto. E lá o “inferno” tem de encontrar lugar para mais uma boa intenção. Ou seja, a mudança teima em não se dar. Ou quando se dá, não dura muito. Mas porquê?! Porque é que da intenção à acção existe um fosso tão grande, sem que se perceba bem a razão...? Não somos seres racionais? Se a decisão está tomada, não basta apenas implementá-la? Que “mistério” se esconde na mudança de comportamentos, que faz dela um tema tão intrigante e tão mal compreendido? Em particular no campo da saúde, onde os comportamentos desejáveis têm o poder de nos trazer bem estar e de dar mais e melhores anos à vida. Mas que, paradoxalmente, são tantas vezes preteridos.

Apresentamos 5 ideias a explorar (e uma provocação final) para ajudar a compreender porque é tão difícil mudar o comportamento. Na esperança de que a reflexão possa, no domínio das nossas intenções, decisões e acções, tornar a “água mole” um pouco mais dura. Ou a “pedra dura” finalmente mais macia...

1. A certeza Vs. a ambiguidade

Queremos mudar... mas, ao mesmo tempo, não queremos! Por muita certeza que as nossas palavras de mudança revelem, existe sempre uma parte de nós que está bem como está. De facto, tendemos a ignorar que o comportamento a alterar serve frequentemente uma função psicológica que não é visível, mas é importante. Ou já foi importante no passado e agora tornou- se um hábito. Aquele chocolate àquela hora engorda mas, ao mesmo tempo, faz-nos sentir bem o suficiente para acalmar uma leve, quase imperceptível, insatisfação interior. Os quilos a mais (não um comportamento mas resultado de vários) são incómodos e tiram saúde mas, ao mesmo tempo, fazem sentir (um homem) mais forte e imponente ou ajudam (uma mulher) a assim não ter de se preocupar com os avanços do sexo oposto. Roer as unhas não faz sentido para aquele jovem adulto, mas durante a adolescência foi o mecanismo automático que o corpo encontrou para aliviar a pressão dos exames. E o mecanismo, talvez até já inútil, foi ficando. Ou seja, o comportamento a mudar pode ser (ou ter sido) mais importante para a nossa estabilidade interior do que reconhecemos. O que significa que apenas quando forem encontradas formas benignas de substituir, tornar desnecessária ou no mínimo tornar consciente essa sua função “escondida”, o comportamento estará “disposto” a mudar de ares...!

2. A “preguiça” Vs. a “força de vontade”

Ambos são mitos sem grande significado real (nem utilidade prática de monta), que mais baralham a questão da mudança do que ajudam a compreendê-la. “Ele é preguiçoso por natureza e por isso nunca vai mudar!” Ou “se ela quisesse mesmo mudar já o tinha feito... que grande preguiçosa!” (Em que ficamos? A preguiça é uma causa ou um efeito?!). E a tão popular “força de vontade”? Como se avalia? Provavelmente distinguindo os que mudam dos não mudam! Ou seja, quem possui “força de vontade” no seu carácter, consegue mudar. E quem sempre consegue mudar, merece ser definido como tendo muita “força de vontade” (mais um círculo sem saída que em nada esclarece)! Na verdade, ninguém é “preguiçoso” para tudo - o que significa que já encontrou a “força de vontade” para algumas decisões (a motivação certa). E ninguém tem “força de vontade” para tudo - o que significa que às vezes também é “preguiçoso” (ou seja, falta-lhe a motivação). E é para aqui precisamente que devemos desviar a atenção. Para o que motiva ou não motiva e porque razões isso acontece. E hoje sabemos que o que motiva de forma mais duradoura é aquilo que valorizamos mais profundamente, que tem mais a ver connosco, que nos faz sentir melhor interiormente. Que nos aproxima de quem queremos ser. Pelo contrário, motivações como resposta a pressões de fora, sentimentos de culpa, ou porque é “o que todos fazem” não geram satisfação para além do “alívio” imediato e tenderão a não se manter.

3. O habitual vs. o desconhecido

Mudar significa deixar o conforto de um “companheiro de longa data”, que sabemos o que vale (mesmo que não muito), para abraçar um novo personagem na (nossa) história. Que não conhecemos e por isso nos deixa ansiosos. Que pode enriquecer-nos e trazer novas dimensões à vida. Mas que também pode deixar-nos “pendurados” e destroçados quando menos esperamos! Mais vale um “pássaro na mão...” diz o ditado. Mas, se virmos bem, este é um ditado conservador - se todos o seguíssemos ninguém “voava”! Não se descobriam novos caminhos, para fora e também para dentro de nós. Não haveria “bravos novos mundos” a conquistar... E é bom acreditar que em todos nós há uma força inata que quer mais e melhor, que quer crescer, descobrir e expressar-se. Que não quer morrer sem provar! Talvez para vencer a ansiedade do desconhecido e dar o primeiro passo para a mudança, a melhor lição seja mesmo a mais simples de todas: fechar os olhos e avançar sem pensar muito! Que é o que todos fazem quando, com um pára-quedas às costas, se atiram de um avião borda-fora pela primeira vez (nota: o autor já fez e confirma que é mesmo a única maneira de cometer tal loucura!). No dia a dia, isto pode traduzir-se por dizer mais vezes que “sim” (sem pensar muito), e menos vezes “mmm... não sei se me apetece” ou”... hoje, não”. A inércia do primeiro passo pode mesmo ser o maior e mais simples obstáculo. E para a vencer não funcionam grandes rasgos de inteligência. Até porque o receio do desconhecido é sobretudo emocional e, por definição, pouco racional. Por isso, em cada 10 propostas novas que lhe surjam, ponha os “travões a fundo” em uma. Diga “hoje, não” a outra. À terceira, combine para amanhã (e pense bem até lá... quem sabe se...?). Mas às outras 7, feche os olhos e diga baixinho mas com a coragem (ou a loucura) de quem sabe que a vida é curta e os grandes planos começam hoje: “Sim, vamos lá a isso”. Verá que o segundo passo é sempre mais fácil que o primeiro...!

4. O “tudo” vs. o “nada”

Temos tendência para pensar a preto e branco. A não apreciar o 23 nem o 59 (sim, são números sem piada alguma!) porque só vemos (e detestamos) o 8 e só admiramos o 80. Mas é no meio que a virtude se passeia e é de tons de cinzento que a vida mais se faz, inevitavelmente. E assim vamos adiando pequenos avanços, à espera do “passo de gigante”, da “transformação de fundo”. Ou seja, não permitimos sequer a possibilidade de mudança, ignorantes de que pequenos avanços acumulam-se até atingir a “massa crítica” de mudança e que, infelizmente, os saltos quânticos são raros. Imagine o pássaro que raminho a raminho constrói um ninho maravilhosamente completo, que apenas há dias parecia impossível de conceber. Em vez de decidir “absolutamente, vou deixar de comer naquele restaurante”, “a partir de agora, só alimentos saudáveis no frigorífico”, “vou treinar para a maratona, pois não faço por menos”, seremos quiçá mais bem sucedidos, sobretudo no longo prazo, se “acumularmos riqueza” uma pequena poupança (mudança) de cada vez. Grão a grão...

5. O desafio vs. o medo

E se não correr bem? E se eu falhar nos meus projectos? E se não conseguir manter esse plano de actividade física? E se não resistir ao chocolate, como prometi que faria? E se não “conseguir viver” sem televisão no quarto? E se...? E se...? Estes pensamentos descrevem o muito natural medo de falhar. Todos o temos porque ninguém gosta de ficar mal visto. E tantas vezes não mudamos porque receamos ficar pior depois de mais um fracasso do que antes de o tentar. Felizmente, a ilusão que alimenta mais esta fonte de inércia pode ser desmontada: É do acumular de pequenas derrotas que se aprende a vencer a batalha final. E quase sempre que tentamos há algo novo que se aprende, que mexe connosco e nos torna um pouco mais fortes para o próximo assalto. O medo justifica-se. Ninguém gosta de “perder”. Mas muitos dos que ultrapassaram difíceis obstáculos (p.ex., que perderam bastante peso e mantiveram-no saudável para sempre), não o conseguiram à primeira. Tentaram muitas vezes até à altura em que as estrelas estavam finalmente alinhadas. O que não nos mata, torna-nos mesmo mais fortes... E mais sábios, sobretudo sobre nós próprios. Talvez o que leu ajude a perceber porque é que a mudança não acontece mais vezes. Ou talvez a sua razão pessoal esconda ainda outros mistérios. E aqui entra a provocação final: Muito mais do que gostaríamos, sobretudo aqueles de nós que procuram promover a mudança comportamental em saúde, somos uma e outra vez levados a concluir que.. A mudança é imprevisível!

Podemos criar boas condições para que surja com mais probabilidade. Podemos acarinhar os pequenos sinais de que ela se aproxima. Podemos aumentar a confiança de alguém para que se arrisque a tentá-la. Podemos acreditar convictamente (e acreditamos) que a mudança, grande ou pequena, é possível para todos... Mas devemos reconhecer - e, mais difícil, devemos aceitar - que ela, a mudança, só chega no dia e na hora em que tiver de chegar. E que talvez nunca nos seja dado a compreender porque foi naquele momento e não antes. Será o dia de uma epifania? Será uma revelação de fé? Será 2água mole em pedra dura”? Será a sorte do baralho? Talvez seja tudo isso, e também o reconhecimento de que o ser humano é maravilhosamente complexo e retira um prazer especial em resistir a ser explicado. A ser previsível. Ainda assim, porque percorrer o caminho vale quase sempre bem mais do que alcançar a meta idealizada, continuamos, teimosos (preguiçosos?), a tentar compreender. A tentar explicar e prever... E a tentar mudar.

 

AUTOR
PEDRO TEIXEIRA
Professor da Faculdade de Motricidade Humana
in Revista Rituais Nº 2
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